quarta-feira, fevereiro 06, 2013

O Direito Real de Habitação do Cônjuge Sobrevivente.

A morte de um dos cônjuges é uma das causas de extinção da sociedade conjugal e "infelizmente", não tem sido uma das mais usuais nos dias de hoje - momento em que o divórcio tem grande predominância.



Com o fim da sociedade conjugal "causa mortis" tem-se a abertura da sucessão hereditária, momento em que comumente, por desentendimento entre os herdeiros, fica exposta a riscos a entidade familiar, figura de grande importância para o direito brasileiro.

Buscando tutelar tal situação de modo a evitar danos a entidade familiar, o legislador criou uma série de normas que estabelecem diretrizes, direitos e limites aos herdeiros durante o procedimento sucessório.

O Direito Real de Habitação é um destes, concedendo ao cônjuge sobrevivente direito vitalício de habitação no imóvel em que o casal ocupava como residência, conforme previsto no artigo 1.831 do Código Civil, veja:

"Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar."

Uma curiosidade na redação deste artigo está em sua parte final, quando menciona o fato de ser o único de sua natureza a inventariar. Neste momento o legislador não se referiu a natureza de bem imóvel, mas sim quanto a natureza de residência familiar.

Portanto, uma vez verificada a existência de uma série de bens imóveis no acervo hereditário, recairá o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente apenas sobre o imóvel que a família utilizava como moradia na maior parte do tempo, mesmo que seja este o de menor valor.

Em ocasiões muito singulares, onde a família utiliza como moradia dois imóveis por frações idênticas de tempo, o direito real de habitação será concedido sobre o imóvel de menor valor, assim como hoje se aplica a individualização do bem de família.

Tal direito concedido ao cônjuge sobrevivente já era previsto no Código Civil de 1916, mas apenas para as sociedades conjugais cujo regime de bens adotado fosse o da comunhão universal de bens. Com a chegada do Código Civil de 2002, o Direito Real de Habitação foi estendido a todas entidades familiares, independente do regime de bens adotado.

Tendo em vista que a União Estável foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como entidade familiar, uma vez que possui esta "affectio maritalis", ficou estendido ao companheiro o Direito Real de Habitação, conforme previsto no artigo 7º da lei 9.278 de 1996.

Quanto a vitaliciedade do Direito Real de Habitação deve ser observado que não será absoluta, podendo ser o cônjuge sobrevivente destituído de tal direito mediante novo casamento, formação de nova união estável, ou ainda caso não esteja cumprindo com as obrigações "propter rem", que são aquelas pertinentes ao imóvel, como pagamento de tributos ou taxas condominiais.

A alienabilidade do imóvel sobre qual venha a recair o Direito Real de Habitação não fica prejudicada, podendo ser este vendido a qualquer tempo, uma vez observado o direito de preferencia do cônjuge sobrevivente.

Certo é que o promitente comprador estará adquirindo apenas a nua propriedade do imóvel, ou seja, a propriedade sem direito de uso, gozo e fruição até a ocorrência de um dos motivos extintivos do direito do cônjuge sobrevivente, motivo pelo qual irá ofertar valor muito inferior ao merecido pelo bem em questão.

quarta-feira, janeiro 30, 2013

Relação de Consumo - Autor e Réu - A quem cabe o ônus da prova?

A lei 8.078 de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC), passou a regular os direitos e deveres de consumidores e fornecedores de produtos e serviços em relações desta natureza.

Os direitos básicos do consumidor estão previstos no artigo 6º deste diploma legal, e um dos maiores  benefícios concedidos aos consumidores está no inciso VIII deste artigo, veja fragmento abaixo:
 
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
 
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
 
Diferente das demais relações jurídicas, nas relações de consumo têm o consumidor o benefício da inversão do ônus da prova, incumbindo tal responsabilidade ao fornecedor. Ou seja, aquilo que for alegado pelo consumidor em juízo deverá ser comprovado ou combatido por provas apresentadas pelo fornecedor de produtos ou serviços.
 
Tal benefício concedido ao consumidor foi criado pelo legislador para facilitar sua defesa, assim como dito no texto do inciso VIII, acima citado. Mas por que facilitar a defesa do consumidor? O que o faz tão especial a ponto de merecer este artifício?
 
A resposta a estas perguntas é bem simples, e encontra-se no próprio Código de Defesa do Consumidor, trata-se do princípio da vulnerabilidade positivado no artigo 4º, I desta lei.
 
Ao criar a lei 8.078/90, o legislador utilizou alguns princípios como pilares desta norma. Uma delas foi o princípio acima apresentado que aponta o consumidor como figura vulnerável frente ao fornecedor na maioria das relações de consumo. A vulnerabilidade pode ser técnica, econômica e ainda jurídica. Como exemplo, imagine-se em juízo diante de uma Coca-Cola, Apple, BMW e etc.
 
Portanto, tendo em vista a posição vulnerável do consumidor, lhe foram concedidos benefícios como a inversão do ônus probatório no sentido de trazer equidade, igualdade, nestas relações jurídicas.
 
Mas devemos atentar para as condições a concessão do benefício da inversão do ônus da prova, uma vez que nem sempre será este concedido pelo magistrado.
 
Em regra a concessão deste benefício será por convencimento e vontade do juiz, que ao observar os requisitos da hipossuficiência, vulnerabilidade do consumidor e verossimilhança de suas alegações o irá conceder, sendo chamada inversão do ônus da prova "ope judicis". 
 
Será obrigatória a concessão da inversão do ônus da prova, chamada inversão "ope legis", quando for esta determinada por lei, ou seja, quando estiver expresso em lei que deverá ocorrer a inversão, assim como no artigo da lei 8.078/90 abaixo em destaque:
 
Art. 38 - O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
 
Portanto, não deixe de anotar os protocolos de atendimento, salve todos os e-mails trocados, guarde sempre as notas fiscais, tire fotos, reclame de forma coerente e educada pelos instrumentos virtuais competentes, e tenha a certeza de que mesmo beneficiado pela inversão do ônus da prova, trará a apreciação da justiça um direito incontestável.
 
 

Lei Clodovil - O valor jurídico do afeto.


No dia 17 de abril de 2010 entrou em vigor a Lei nº 11.924, de autoria do já falecido Deputado Federal Clodovil Hernandes.
 
Conhecida como "Lei Clodovil", esta deu o direito ao enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta, desde que obtida à devida aquiescência expressa, efetuando uma alteração no artigo 57, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos).
 
Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida...
 

§ 8º  O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. (Incluído pela Lei nº 11.924, de 2009).
 
Certo é que ao elaborar a citada norma, pretendia o Deputado fortalecer os laços da família sócio-afetiva, e ainda dar direito ao enteado ou enteada de declarar em mais alto nível seu afeto, amor, por seu padrasto ou madrasta.
 
Alguns doutrinadores defendem que tal permissão traria harmonia para estas relações, derrubando por terra a imagem negativa dos padrastos e madrastas. Outros atentam para a questão da importância da lei para a prevenção do "bullying", uma vez que a alteração registral integra o enteado ou a enteada a um grupo familiar o qual se sentia excluído.
 
As consequências pessoais que a alteração registral pode promover são de fácil percepção, mas e quanto aos direitos patrimoniais? Teria o enteado, que adotou o nome de um padrasto, direito a solicitar alimentos a este? Poderia a enteada integrar a legítima em caso de abertura de sucessão hereditária? Indo mais além, poderia o padrasto solicitar alimentos ao enteado que adotou seu nome?

Atualmente, para a maior parte da doutrina a inclusão do nome, do padrasto ou da madrasta por seus enteados, não importa em reconhecimento de vínculo para efeitos patrimoniais, sendo totalmente descartado o direito a sucessão hereditária. Muitos alegam ainda que caso tenha o padrasto a intensão de incluir seu enteado no rol herdeiros, que o faça via testamento, instrumento este que certamente ganharia mais força uma vez verificada a adoção do nome pelo herdeiro testamentário.

Ocorre que para muitos magistrados em todo o Brasil o vínculo afetivo se tornou tão essencial quanto o parentesco biológico, podendo a ausência de afeto comprometer o reconhecimento de uma família e das obrigações oriundas desta. Como exemplo temos a citada família sócio-afetiva que se tornou um instituto reconhecido pelo direito brasileiro, mesmo não sendo derivada de relações sanguíneas de parentesco.

A afetividade foi atribuído tamanho valor jurídico que verifica-se hoje a possibilidade de um enteado solicitar alimentos aquele padrasto com o qual mantem relação afetiva.

Assim sendo, podemos concluir que, além do que pretendia o Deputado Clodovil, a lei 11.924 de 2010 acrescentou força ao elemento afeto, solidificando a sua existência e importância nas relações entre enteados e padrastos ou madrastas, criando e especulando efeitos inesperados a uma década atrás, e que, dependendo do rumo que tomar junto a evolução do direito, poderá surpreender no futuro os doutrinadores mais contemporâneos.